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terça-feira, 22 de março de 2011

Monólogo

Celso Antunes
Ontem foi um dia maravilhoso. Descobri um novo amigo e nesse mundo onde cada dia menos valor se dá as boas amizades, essa descoberta sintetiza tesouro que se deve preservar com afeto. Um novo amigo não é produto que se compra, não representa artigo interessante que como novidade nas lojas, nos é empurrado pela propaganda, consumido pelo modismo.

Esse novo amigo descoberto chama-se Alex e segundo me contou nasceu no Canadá, onde estudou e se profissionalizou em ramo de Engenharia que por aqui, ainda, pouco se fala. Extremamente curioso interrogou-me sobre coisas do Brasil e sobre nossa maneira de pensar, surpreendendo-se com nossa alegria - que não se surpreende? - achando graça da forma como mostramos relativa indiferença a políticos corruptos ou a governantes prepotentes. Encantou-se com sua descoberta sobre a paixão do futebol e desejou saber como poderá no curto espaço de tempo que por aqui ficar, aprender o samba, fazer caipirinha e assobiar o ritmo do pagode. Respondi o que sabia, mas não deixei barato e tratei de devolver com igual intensidade o monólogo a que me submeteu. Perguntei tudo a que tinha direito e até o que não tinha e depois de horas de papo e degustação de cachaças, despedimo-nos felizes descobrindo que novos encontros são imprescindíveis para que nos conheçamos melhor. Afinal, brasileiros e canadenses são gentes diferentes e possuem maneiras originais de viver e de pensar.

É bom fazer amigos, melhor ainda descobri-los diferentes. A amizade por certo perderia graça se todas as pessoas fossem iguais e se ao perceber o outro, encontrássemos espelho. Essa é uma verdade que parece tão cristalina que é de se estranhar que até hoje nenhum poeta dos que aprendi, falaram que a diferença constitui o alicerce da amizade, os fundamentos do afeto, a certeza da alegria de viver. Adorei poesias sobre a amizade, enternece minha alma, versos sobre o amor, mas creio que amizade e carinho nos tornam humanos porque adoramos encontrar nos outros o que em nós mesmos inutilmente buscamos. Hoje conheci Alexandre.

Alexandre Santos de Guimarães tem 12 anos incompletos e sabe de cor o nome de todos os mais de duzentos animais de seu álbum de figurinhas. Sabe além dos nomes os seus hábitos e suas excentricidades. Assim como possui memória privilegiada para o que gosta, conhece números primos até mais de seis mil, mas nada entende de relações humanas. Não aprende a lidar com pessoas, não percebe a ironia, não entende a mais simples anedota e não imagina que é possível alguém sorrir de alguma coisa mesmo sem achar qualquer graça. Sente-se verdadeiramente feliz quando fica sozinho, repetindo as tabelas que com incrível facilidade é capaz de decorar. Alexandre Santos Guimarães é portador da síndrome de Asperger, uma forma diferenciada de autismo. Alexandre provavelmente não consegue entender porque sendo diferente de outros garotes de 12 anos é considerado portador de dificuldades especiais e precisa de recursos específicos para que possa ser incluído.

Alex é diferente, é meu amigo e é bem vindo em meu mundo, Alexandre é igualmente diferente, gostaria de ser seu amigo, mas jamais poderá ser aceito além de seu próprio mundo.


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